Esta semana passei pela loja e ouvi, por acaso, nossa gerente se desculpando com uma cliente por não parcelarmos as compras no cartão de credito. Como não? Até a vendinha do seu Takahashi divide os pagamentos de brócolis e couve-flor até a copa de 2014.
Chamei a Vanessa e quis entender por que, afinal, nós não parcelávamos. “Ah, porque foi sempre assim”, disse ela, encerrando educadamente a conversa. Subi as escadas para apurar a questão com o financeiro e esbarrei com o Junior, nosso motorista, bufando com o atendimento por ter sido informado que a partir daquele dia ele teria que pedir para o cliente assinar um protocolo de recebimento da encomenda.
“Foi sempre assim, sem protocolo, e deu certo, não entendo porque agora tem que mudar as regras”, resmungava ele inconsolável, sem se dar conta da minha presença na escada. Entrei na sala do financeiro e lá estava a Elizete, da equipe de cozinha, pegando dinheiro com a Emiliana para comprar castanha do Pará no supermercado da esquina. Por que comprar castanha do Pará no supermercado se temos um fornecedor que importa castanhas de qualidade superior por um preço bem mais acessível?
Fiz essa pergunta para a Neide, que me respondeu o seguinte: “Desde que o brigadeiro de castanha do Pará entrou no cardápio, temos comprado a castanha no supermercado”. Leia-se seis anos. Ou seja, foi sempre assim. Nos dias que se sucederam, de dez frases que eu ouvia, pelo menos cinco vinham com a irritante explicação do “foi sempre assim”.
Reconheci, após algumas seções chorosas de terapia, que esse comportamento fatalista da equipe não era comodismo ou má vontade, mas sim uma repetição automática dos procedimentos que adotei quando abri a empresa. O cartão, por exemplo. Na época em que contratei esse serviço, lá atrás, optei pelo sistema mais simples, sem parcelamento, uma vez que eu era sozinha na gestão financeira do negócio.
Com o protocolo não foi diferente. Quando eu comecei a Maria Brigadeiro, atendia pessoalmente todos os clientes, preparava os brigadeiros e fazia as respectivas entregas. Sabia de cor e salteado quem era quem, se era presente, se não era. Nunca precisei de papel nenhum. Admito que também foi minha a ideia de comprar castanha do Pará no supermercado.
Tínhamos um pedido enorme de brigadeiros para um casamento e o fornecedor não entregou as castanhas que encomendei. No desespero, pedi para alguém correr na esquina e comprar. Nos três casos, nunca ninguém questionou se aquilo estava certo ou não. Na duvida, repetia-se o mesmo padrão, ainda que ele fosse completamente equivocado.
O grande mal dessa “síndrome do foi sempre assim”, é que ela inviabiliza, de antemão, qualquer aprimoramento de processo. Na décima cara feia do Junior, a Cássia, do atendimento, vai dar um jeito de esquecer, pra sempre, o tal do protocolo. E as coisas vão seguir exatamente como estão. Mudar essa cultura tem sido um dos meus maiores desafios de gestão. Para corrigir esses equívocos já institucionalizados, tenho revisado todos os procedimentos, um por um, principalmente aqueles mais simples, que geralmente passam despercebidos. Pois não é que lá ia ontem a Neidinha para casa carregando sofridamente 5 kg de nozes para triturar a 80 km da nossa cozinha? Me explicou, com a sua doce tranquilidade baiana, que o processador de alimentos estava na assistência técnica fazia três meses. Se eu não tivesse pedido para comprar outro no dia seguinte, ia dizer conformada, daqui 3 anos, que foi sempre assim..
* Estadão - blog
Nenhum comentário:
Postar um comentário