A síndrome de Charles Bonnet é uma doença que faz com que pacientes com pouca visão tenham alucinações visuais. Essa doença foi descrita por Charles Bonnet em 1769. E foi introduzida na Psiquiatria de língua Inglesa em 1982.
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Por Mariana Araguaia (Bióloga)
Charles Bonnet foi um filósofo e naturalista suíço, nascido em Genebra. Dentre seus feitos estão pesquisas relacionadas à partenogênese em pulgões, e o desenvolvimento das lagartas em borboletas, permitindo a publicação do tratado de insetologia, em 1745; refutação da teoria da epigênese; escritos sobre psicologia; o uso pioneiro da palavra “evolução”, dentre outros.
Foi, no entanto, analisando o caso do seu avô, que ele, possivelmente, passou a ser mais bem reconhecido. Consideravelmente idoso, seu avô, portador de catarata, apresentava visões de pessoas, animais e construções bastante nítidas e que mudavam de forma, tamanho e lugar. Em virtude das contribuições que este filósofo forneceu, tal quadro clínico recebeu o nome de síndrome de Charles Bonnet.
Esta síndrome consiste na visualização repentina de imagens silenciosas, nítidas, complexas e coloridas, que desaparecem abruptamente. Elas podem durar poucos minutos ou até algumas horas, e são perceptíveis mesmo quando se está com os olhos fechados. Na maioria dos casos elas são prazerosas, ou pelo menos nulas.
A pessoa afetada, via de regra, apresenta comprometimento visual, como catarata, glaucoma, degeneração macular relacionada à idade, retinopatia diabética e arterite temporal; e é capaz de reconhecer a irrealidade de tais visões. Além disso, ela não apresenta distúrbios cognitivos, ou alterações sistêmicas significativas.
Tais sintomas são semelhantes ao que ocorre quando uma pessoa amputada “sente” aquela região do corpo que não está mais ali. Em ambos os casos, essas percepções estão relacionadas à perda de informações sensoriais, fazendo com que o cérebro preencha esta lacuna com sensações lembradas, ou imaginadas.
Apesar de ocorrer em vários grupos etários, essa síndrome se manifesta predominantemente em idosos, com maior incidência entre aqueles que estão entre os 70 e 93 anos de idade. Muitas vezes o quadro é negligenciado: ou porque as pessoas próximas acreditam que se trata de demência senil, ou porque o próprio indivíduo afetado tem este receio, e esconde das outras pessoas o que tem passado. Outro fator que dificulta a identificação desse quadro é o próprio desconhecimento de alguns médicos, fazendo com que o quadro seja erroneamente diagnosticado, ou negligenciado.
Considerando o envelhecimento da população, e a maior expectativa de vida que este grupo tem conquistado, é importante que tais profissionais estejam atentos. Alguns especialistas afirmam que a melhor forma de descobrir portadores em potencial é perguntando sobre a existência ou não de ilusões visuais, àqueles pacientes que têm a acuidade visual reduzida.
Quanto ao tratamento, foca-se na deficiência ocular que o paciente apresenta; mas pode, também, ser requerido um acompanhamento psicológico e tratamento de entidades associadas, como depressão. Em alguns casos, fármacos também podem ser receitados.
Infelizmente, em alguns casos, o quadro só desaparece quando o paciente perde, por completo, a capacidade de enxergar. De qualquer forma, piscar, aumentar a iluminação do local onde se está, ou fazer outras mudanças no ambiente; costumam acelerar o desaparecimento das visões.
Saber que o que está ocorrendo não se trata de algum problema psiquiátrico, ou algo mais grave, reduz significantemente a angústia que muitas dessas pessoas sentem. Assim, quanto mais cedo for diagnosticada a síndrome de Charles Bonnet, melhores serão as chances de o paciente seguir a sua vida de forma mais saudável.
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Foi uma surpresa quando, aparentemente, dois pequenos labradores pretos apareceram em sua casa no Condado de Durham, no nordeste da Inglaterra. A surpresa foi ainda maior quando ela começou a ver meninas com belos vestidos, e homens que ela não reconhecia.
Aos 86 anos, sua primeira reação foi o medo de falar sobre suas visões e as pessoas acharem que ela estava enlouquecendo.
"Eu estava com medo de falar com o médico porque ele poderia achar que eu tenho demência, considerando a minha idade", disse ela.
O que ela tem no entanto, é Síndrome de Charles Bonnet, uma condição causada por uma doença nos olhos e não problemas psiquiátricos.
As alucinações não emitem sons e você não pode senti-las, mas elas podem ser, mesmo assim, bem convincentes.
"Você não consegue descrevê-la muito bem. É uma coisa horrível", disse Lillian.
"Eu vi cavalos, uma vaca, homens. E quando você tenta se levantar e andar, mesmo sabendo que é apenas a sua visão, você não consegue se mover, porque você acha que vai esbarrar nessas pessoas."
"Elas parecem reais, mas quando você olha bem... eu simplesmente não sei. Eu não consigo definir o que eles são. Não é real, mas eles estão lá. Parecem de verdade."
Ela disse que os "hóspedes" não convidados, muitas vezes, "ficam o dia todo" e não são bem-vindos.
'Imagens bizarras'
A síndrome ocorre em pessoas cuja visão se deteriorou. Partes do cérebro associadas à visão começam a criar suas próprias imagens, tendo sido privadas de estímulo do nervo óptico.
Dominic Ffytche, professor do Instituto de Psiquiatria do King's College London e um especialista na síndrome, disse que foram registrados mais de 200 mil casos da doença no Reino Unido.
No entanto, como as pessoas muitas vezes relutam em admitir ter alucinações, é impossível dizer exatamente quantas desenvolvem o mal.
Lillian Boyd demorou por volta de duas semanas para falar sobre o que estava acontecendo.
Felizmente, seu médico já conhecia essa condição e foi capaz de tranquilizá-la explicando que as alucinações não eram um problema psiquiátrico.
"Ele mencionou Charles Bonnet e disse que já tinha feito uma pesquisa sobre ele porque seu pai teve essa síndrome", disse Lillian.
Ffytche explicou que existem várias maneiras de distinguir a síndrome de alucinações causadas por problemas psiquiátricos.
"As alucinações causadas por doenças oculares são bastante detalhadas, com estampas e pessoas usando trajes elaborados. São imagens muito bizarras."
"As pessoas não confundem as imagens com a realidade e nao veem pessoas que elas reconhecem."
Ele ressaltou que a pesquisa sobre a síndrome ainda estão em andamento.
"O que ainda não sabemos é por que algumas pessoas nunca apresentam a síndrome", disse Ffytche. "A última pesquisa sugere que a maneira como o cérebro está conectado - a forma como ele faz conexões - pode influenciar."
"Pode ser que o seu cérebro se adapte melhor à perda da visão se você tiver alucinações."
'Alívio maravilhoso'
Não há cura para a síndrome, mas medicamentos usados para outras condições, como epilepsia, demência e esquizofrenia, têm tido resultado para algumas pessoas.
Ffytche acredita que hoje as pessoas têm muito mais consciência sobre a doença do que antes.
"Antes ninguém conhecia a doença, e agora é o inverso", disse Ffytche.
"Alucinações estão sendo diagnosticadas como doença ocular, e outras causas estão sendo ignoradas."
Um estudo realizado pelo Ffytche e seus colegas descobriu que, em 20% dos casos, os portadores da síndrome acham as alucinações agradáveis e outros 30% acham as imagens desagradáveis. O restante, metade, tem uma opinião neutra sobre elas.
As alucinações que visitam Lillian Boyd há nove meses se encaixam no último grupo.
Ela disse estar mais confortável agora que sabe que suas visões não são sinais de demência, mas ela ainda as descreve como algo "perturbador".
Felizmente, ela teve um pouco de descanso recentemente.
"Eu não tenho nenhuma visão há dois dias, e eu agradeço a Deus por isso. É um alívio maravilhoso quando elas não estão lá", disse.
(Terra notícias)
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