segunda-feira, 11 de agosto de 2008
Proposta de nova lei segue sem acordo
da Redação - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Um dos maiores entraves para fazer pesquisas de bioprospecção no Brasil é a legislação. E isso nem é reclamação apenas dos pesquisadores e empresas, mas uma situação reconhecida pelo próprio governo.
Mas quando, enfim, a Casa Civil colocou em consulta pública o anteprojeto de lei (APL) que deveria corrigir as distorções da Medida Provisória que rege a questão desde 2001, ele se mostrou uma colcha de retalhos que tentava agradar todo mundo, mas que no final das contas não agradou ninguém.
Para Rute Gonçalves Andrade, uma das representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) nas discussões, o novo projeto ainda ignora um dos principais pedidos dos pesquisadores que é o de descriminar a pesquisa.
"Hoje para um projeto ser aprovado é preciso passar pela análise de vários comitês de ética. Isso já é um controle. Além disso queremos que as próprias instituições possam se responsabilizar pelos seus pesquisadores", afirma.
Apesar das críticas, ela pondera que talvez tenham ocorrido alguns avanços. "Quando saiu o APL, líamos tudo aquilo com a impressão de que nada tinha mudado. Com uma leitura mais atenta ao longo dos meses, conseguimos já vislumbrar algumas melhoras, mas, ainda assim, não está bom, tem de facilitar a pesquisa", comenta a pesquisadora.
Um dos pontos questionados é o que prevê que, quando uma determinada substância é descoberta com o auxílio do conhecimento tradicional, logo se faça um contrato que garanta a repartição de eventuais lucros que sejam obtidos.
"Acreditamos que essa exigência só deva valer quando a pesquisa de fato avançar para o desenvolvimento de um produto com um parceiro comercial. Antes disso só cria entrave para a pesquisa, além de gerar uma ansiedade que pode não se comprovar. Na prática sabemos que, de tudo que é coletado, nem 1% pode de fato originar um produto", defende o biólogo Carlos Joly, da Unicamp.
Ele questiona ainda que o APL não trouxe avanços pontuais que tinham sido obtidos desde a edição da MP. "É um retrocesso. Ele simplesmente despreza todas as negociações que fizemos ao longo desses anos."
Para Braulio Dias, diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, algumas exigências que vêm sendo feitas pela academia são legítimas, mas outras não. "De fato o texto que foi à consulta pública é um ajuntamento de propostas de vários setores. Mas há o compromisso de enxugar, tornar o texto limpo e coerente, incorporando as sugestões que conciliem os diversos interesses", afirmou. "Claro que talvez permaneçam alguns pontos conflitantes, mas o governo está sensível para o fato de que o País precisa de uma lei que resolva a questão."
O texto do anteprojeto de lei ficou disponível para comentários e sugestões até meados de julho e agora está de volta à Casa Civil para incorporações e ajustes, antes de ir para o Congresso.
MEDIDAS PREVISTAS NO ANTEPROJETO DE LEI
AGROBIOVIVERSIDADE - Novo conceito que se refere apenas às espécies usadas na agricultura, que teriam tratamento diferenciado do resto da biodiversidade
CNACT - Cadastro Nacional de Controle de Atividades de Pesquisa Científica ou Tecnológica de Recursos Genéticos. Administrado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para registrar todos os cientistas e atividades relacionados ao estudo da biodiversidade
CNGEN - Cadastro Nacional de Acesso aos Recursos Genéticos e ao Conhecimento Tradicional Associado. Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), para o registro de atividades envolvendo o uso de recursos genéticos e/ou de conhecimento tradicional
CNAB - Cadastro Nacional de Agrobiodiversidade. Gerenciado pelo Ministério da Agricultura, para o controle de atividades envolvendo recursos genéticos e uso de conhecimentos tradicionais relacionados à agrobiodiversidade
AGROBIO - Órgão Gestor do Recurso Genético Proveniente da Agrobiodiversidade, que seria criado para gerenciar o CNAB e proteger os direitos dos agricultores
CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. Imposto que incidiria sobre a exploração comercial de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, com alíquotas de 1% a 2%
FURB - Fundo de Repartição de Benefícios do Recurso Genético dos Conhecimentos Tradicionais Associados, um fundo vinculado ao MMA que receberia metade dos recursos arrecadados pela Cide para uso em políticas de conservação da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais
Tags: proposta, lei, pesquisas, bioprospecção, natureza, meio ambiente
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