* * Cristiano Medina (Direito criminal)
Os crimes contra a liberdade sexual acompanham as sociedades desde seus primórdios, cabendo ao julgador no caso concreto a árdua tarefa de distinguir um comportamento criminoso com os comprovados transtornos mentais sexuais.
O operador do direito quando trata dos crimes dessa natureza enfrenta a constante polêmica consistente na inter-relação das experiências humanas, voltadas ao ato criminoso e ao ato doentio.
O reflexo da decisão do magistrado é de extrema relevância ao destino do réu, e da sociedade já que o indivíduo que comete ato criminoso impulsionado por transtornos psiquiátricos, desde que demonstrado o nexo de causalidade, não é passível de punição, e sim de encaminhamento a tratamento psiquiátrico em instituição especializada.
Ao passo que o indivíduo que comete o crime contra a liberdade sexual com o fim de satisfazer sua lascívia responderá as duras penas dos crimes tipificados no Título VI da Parte Especial do Código Penal.
A antiga denominação “crimes contra os costumes” retratava o espírito puritano da sociedade da década de 40, período que foi criado o primeiro computador, o ENIAC, quando sequer se poderia imaginar o surgimento da internet com sua extraordinária massificação de informações, que teve seu estado embrionário na década de 60 a partir de pesquisas militares nos tempos da guerra fria.
O conceito de costumes, e a educação sexual da atualidade são incompatíveis com os bens jurídicos dessa natureza tutelados pelo Código Penal de 1940, o que levou inúmeros juízes no decorrer dos anos, a adaptarem suas decisões à atual realidade social, fato que motivou o legislador de 2009 a modificar o Título VI da Parte Especial do Código Penal, para “Crimes Contra a Dignidade Sexual”.
A Lei 12.015/2009 procurou adaptar os crimes contra a dignidade sexual à realidade social atual e principalmente ao espírito da Constituição de 1988, procurando acabar com o machismo até então presente nos tipos penais, o que se pode constatar com a fusão do crime de estupro e atentado violento ao pudor.
O crime de estupro consistia no constrangimento praticado por homem contra mulher mediante violência ou grave ameaça à conjunção carnal, ou seja, a introdução do pênis na vagina. Todas as outras formas de libidinagem diversa da união do pênis-vagina eram tipificadas pelo antigo crime de atentado violento ao pudor. Assim sendo, sob a égide da legislação anterior o homem jamais poderia ser estuprado.
Com a nova redação do artigo 213 do Código Penal cometerá o crime de estupro todo aquele que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a manter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, podendo assim, figurar como sujeito ativo e passivo a mulher e o homem. A pena continua a ser de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Com a fusão dos dois crimes, passou a ser possível a prática do estupro cometido por mulher contra homem, por mulher contra mulher, por homem contra mulher ou ainda por homem contra homem.
O legislador incluiu no artigo 213 as formas qualificadas, consistente nas condutas que resultam lesão corporal de natureza grave, bem como aquela praticada contra vítima menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, apenando com reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos. No caso da conduta resultar morte, a pena será de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O julgador tem de avaliar no caso concreto com muita cautela os atos entendidos como de libidinagem, para não cometer a feroz injustiça de punir com a mesma pena do estupro o homem ou a mulher que tão somente “rouba um beijo” ou dissimuladamente passa a mão em nádega alheia.
Aquele que molesta alguém ou perturba-lhe a tranqüilidade por acidente ou motivo reprovável comete a contravenção tipificada no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, cuja pena varia de quinze dias a dois meses, ou multa.
A Lei 12.015/2009 asseverou a pena do crime de violação sexual mediante fraude, passando de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão para 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão. Assim sendo, será punido com a nova reprimenda todo aquele que mantiver conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima, sendo acrescido de multa quando for cometido com o fim de obter vantagem econômica.
Resta nítida a preocupação do legislador de 2009 com a proteção do menor e do adolescente, tendo aumentado em até um terço a pena que varia de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção do crime de assedio sexual praticado contra vítima menor de 18 anos.
O antigo estupro presumido previsto no art. 224 do Código Penal, no qual envolvia menores de 14 anos, pessoas alienadas ou débeis mentais, deixou de existir com o surgimento do crime tipificado no artigo 217-A do Código Penal intitulado “Estupro de Vulnerável”.
Cometerá estupro de vulnerável todo aquele que mantiver conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menores de 14 (catorze) anos, ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência, podendo sofrer reprimenda de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Na hipótese da conduta contra o vulnerável resultar lesão corporal de natureza grave a pena será de reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos, e no caso de morte variará de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Considerando o disposto no artigo 217-A do Código Penal, é proibido o relacionamento sexual do menor de 14 anos e daquele que por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário discernimento para a prática do ato, tendo a Lei 12.015/2009 atribuído pena superior ao estupro comum.
O magistrado, no entanto, ao julgar os casos concretos deverá ter plena certeza de que o autor do delito no momento da relação sexual tinha ciência de que seu parceiro ou sua parceira era um vulnerável nos termos da lei. Caso contrário, restará afastado o dolo em razão do erro de tipo, não sendo possível a punição por inexistir a modalidade culposa.
Conclui-se, portanto, que a legislação pátria proíbe terminantemente a pedofilia, ou seja, qualquer pratica sexual de adultos ou adolescentes com crianças pré-púberes.
Aquele que induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem cometerá o crime tipificado no artigo 218 do Código Penal e será apenado com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou alheia poderá ser apenado de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão.
O legislador da mesma forma pune a prostituição infantil. Definindo que será punido com pena de 4 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão, todo aquele que praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) anos na condição de exploração sexual, bem como, o agente que submeter menores ou os atrair à prostituição.
Segundo a redação do artigo 244-B do Código Penal, cometerá o crime de corrupção de menores podendo receber pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, todo aquele que corromper ou facilitar a corrupção de menores de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la, inclusive, utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, como salas de bate-papo da internet.
Não há, no entanto, proibição legal na relação sexual consentida do maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos com adultos.
Os efebófilos, que não sejam acometidos por doença mental classificada, ou seja, adultos que têm preferência sexual primária por adolescentes pubescentes ou pós-pubescentes, responderão pelo crime de estupro qualificado se vierem a constranger menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso, podendo receber a pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
Para a Psiquiatria Forense a efebofilia é uma parafilia onde o prazer sexual do adulto, de ambos os sexos, depende de parceiros adolescentes. Caso não haja doença mental classificada, o efebófilo não será considerado um inimputável e estará apto a receber pena ao invés de medida de segurança.
O conceito de parafilia é relativo, considerando as diversas variações aceitáveis do comportamento sexual na atualidade, sendo assim, impossível definir um rol taxativo das parafilias. A doutrina psiquiátrica aponta como parafilias mais comuns, o sadismo, masoquismo, exibicionismo, voyeurismo ou ainda o fetichismo.
Dentre os temas já tratados, o legislador definitivamente criminaliza a casa de prostituição no artigo 229 do Código Penal, demonstrando sua aversão àqueles que defendem sua regularização. Ocorre, no entanto, que a alteração legislativa do termo casa de prostituição por estabelecimento de exploração sexual de nada valerá para punir os empresários do ramo, visto que é de conhecimento da sociedade que a prostituição é praticada em diversos locais públicos tais como bares, boates, casas de massagens, sites da internet, etc, tornando-se assim, improvável a condenação do agente explorador.
O tema é vasto, de tal sorte que não temos o objetivo de esgotá-lo nas poucas linhas redigidas, no entanto, procuramos trazer a baila algumas das inovações relevantes introduzidas em nosso sistema penal pela Lei 12.015/2009.