Na última sexta-feira, um dia após a divulgação da estimativa do Inca (Instituto Nacional de Câncer) de um aumento no número de casos da doença no país em cerca de 1 milhão de novos pacientes nos próximos dois anos, Hoff disse que a estimativa é conservadora. "Temos no Brasil ainda uma falta de dados exatos do número de câncer, mas acredita-se que a estimativa do Inca esteja muito próxima da realidade", afirma.
Ele explica que o envelhecimento da população deve levar o quadro da doença a níveis dramáticos nos próximos anos. Para combater isso, segundo Hoff, é preciso investir agora em prevenção e conscientização dos jovens sobre hábitos saudáveis de vida. "A conta será cobrada daqui a algumas décadas". Ele afirma que 60% dos pacientes com câncer têm cura, que há medicamentos para reduzir o desconforto da quimioterapia, e critica a Resolução 196, que restringe a pesquisa científica no Brasil desde a gestão do ex-ministro Adib Jatene. "A agenda da pesquisa é dependente da indústria. É preciso mudar isso", diz.
Após ter administrado a segunda sessão de quimioterapia ao ex-presidente Lula, no começo da semana passada - a última está prevista para janeiro -, Hoff afirma que o paciente reage bem ao tratamento do câncer na laringe. O prognóstico do ex-presidente, segundo o médico, "é bom" e que as informações sobre o tratamento são "absolutamente transparentes".
Filho de um ex-dono de laboratório de análises clínicas em Paranavaí, o oncologista é casado com uma médica, tem três filhas, torce para o Internacional (RS) e é um apaixonado por assuntos de defesa, como aviões e navios de guerra. Perguntado se aceitaria ser ministro da Saúde, responde: "Eu? Nunca fui convidado".
Abaixo, os principais trechos da entrevista no Icesp.
O Inca diz que há uma estimativa de um milhão de novos casos de câncer nos próximos dois anos no País. O que significa do ponto de vista da saúde pública?
O Inca talvez seja hoje uma das instituição mais sólidas em termos de estudos e investigação epidemiológia do câncer na América Latina. Então nós temos de acreditar nesses dados. Se nós quisermos ter alguma dúvida em relação a esses números é que eles podem ser até um pouco conservadores. Temos no Brasil ainda uma falta de dados exatos do número de câncer, mas acredita-se que a estimativa do Inca esteja muito próxima da realidade. Os números liberados agora têm algumas nuances importantes. No ano passado, o número da estimativa era de 500 mil casos. Neste ano, 520 mil. Um aumento substancial. Infelizmente a expectativa sobre esse número é de que continue a aumentar. Na pergunta foi mencionado qual era a expectativa de um milhão de casos nos próximos dois anos. Eu iria mais longe: nos Estados Unidos haverá um milhão e meio de casos em um ano - e o Brasil tem um terço da população americana. Se nós seguirmos nesta projeção ascendente, que se confirmou entre as estimativas de 2011 para 2012, nós teremos no futuro um número muito maior de casos. Não é impossível que cheguemos a ter um milhão por ano, quando a nossa população realmente atingir seu estado mais maduro e tivermos uma população elevada acima dos 60 anos.
Hoje temos no mundo em torno de 25, 26 milhões de casos.
Mas esse número vai aumentar bastante. E o número que é dramático é que até 2030 esta incidência deve aumentar em mais 15 milhões. E esse aumento se dará predominantemente em países em desenvolvimento cujas populações estão envelhecendo agora. Nos Estados Unidos, Europa etc, esta fase de amadurecimento já aconteceu há alguns anos. A pirâmide populacional mudou e as incidências subiram muito em anos passados e agora começam a estabilizar. Para nós, as curvas ainda são ascendentes.
O envelhecimento projeta um aumento importante dos casos.
A maior parte dos tumores tem mais de um fator que leva à formação da doença. Mas entre todos os fatores de risco o que é mais comum a todos os tumores é o envelhecimento. Porque o envelhecimento faz com que as células tenham mais tempo expostas a fatores que possam transformar as células normais em cancerosas. O envelhecimento faz com que haja mais pessoas sob risco, e consequentemente um aumento na incidência. Mas gostaria de dizer que se abrem oportunidades. O câncer não é doença que se forma do dia para a noite. As pessoas têm a impressão de que o câncer se forma de um ano para o outro. Na realidade, o processo é muito longo, com exceção dos tumores associados a síndromes familiares, que são muito rápidos, em geral os tumores levam de uma a duas décadas para se instalar. Então, se nós já sabemos que a estimativa atual é que haverá um envelhecimento da população e que essas pessoas terão um risco maior, nós temos a oportunidade de atuar na juventude agora para fazer com que ela minimiza a exposição. Você nunca vai conseguir eliminar o risco. Mas você pode reduzir a chance. Mais ou menos como alguém que está dirigindo a 140/150 quilômetros um carro e baixa essa velocidade para 80 quilômetros por hora. Ele ainda tem o risco de um acidente, mas é menor do que se ele continuasse naquela velocidade.
Daí a iniciativa do trabalho com escolas do Icesp.
Justamente. Temos uma preocupação muito grande de como nós, no Icesp, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, podemos colaborar na redução dos casos de câncer a longo prazo. É importante não só se pensar no tratamento e diagnóstico precoce, que são soluções a curto prazo, mas nas soluções a longo prazo. Sabendo do tempo de formação do tumor, nós achamos que o momento no qual teríamos mais impacto é a conscientização do jovem. O jovem sempre pensa que é invulnerável, que não tem alta incidência de câncer, de outras doenças, e tende a ser um pouco mais solto em relação a hábitos. No entanto, o que ele faz agora vai cobrar a conta daqui a algumas décadas. Nossa iniciativa visa a conscientizá-lo de que hábitos saudáveis agora podem evitar que ele enfrente esse problema daqui 20 anos.
Doutor, o que é o câncer?
O câncer, na realidade, não é uma doença. Há centenas de doenças que têm características similares, que agrupamos com nome de câncer. Hoje a gente sabe que mesmo câncer de um órgão específico são doenças diferentes. Por exemplo: você pode ter duas mulheres com câncer de mama e um tumor não ter nada a ver com o tumor da outra. O que leva a nós chamarmos de câncer são algumas características em comum. Primeira delas: o câncer é doença que advém de alteração no código genético de uma célula afetada. Isso é comum a todas elas. Aconteceu alguma alteração naquele código que rege as funções e o desenvolvimento da célula fez com que ela se tornasse anormal. Segundo ponto: ele tem a capacidade de invadir estruturas adjacentes e mais, ele consegue viajar e se instalar a longa distância. A junção dessas características é o que nos leva a chamar uma doença de câncer.
O que é apoptose?
É um mecanismo que o organismo tem de eliminar células defeituosas ou que já tenham cumprido sua missão. Seria, entre aspas, o suicídio da célula. Por exemplo: se você tem um indivíduo que pega bastante sol e uma dessas exposições a radiação solar causou uma alteração numa célula da pele, esta célula pode vir potencialmente a se transformar em um câncer. Dentro da própria célula ela tem mecanismos que fazem com que se ative a apoptose, e ela morre. Geralmente isso acontece quando há um defeito no código genético que não pode ser reparado. A célula vem e tenta reparar o problema. Não conseguiu, então, ela instruiu a célula para morrer para que não cause câncer. Muitas vezes o câncer acontece porque temos defeitos nesses mecanismos de gerar apoptose.
O que é angiogênese?
Angiogênese é um termo bastante antigo. Foi cunhado por um cientista britânico chamado John Hunter, no Século 18, estudando feridas cirúrgicas. É a formação de novos vasos sanguíneos. Porque é importante em termos de câncer: o câncer precisa de oxigênio , precisa de uma via para receber alimentação e eliminar os produtos nocivos que são gerados pelo metabolismo. Então, se a célula cancerosa não conseguir fabricar um novo vaso, ela não consegue crescer. Se você consegue bloquear a angiogênese dentro do tumor você faz com que o tumor pare de crescer ou até regrida.
Esse seria um ponto fraco da doença.
É um dos pontos que têm sido explorados nos tratamentos. É um dos pontos fracos do tumor.
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