O enamoramento é a razão do amor de amizade heterossexual, que é a definição do amor conjugal. As expressões idiomáticas sobre o enamoramento é uma mistura de 'sorte' e de 'decisão', 'flechada', um 'raio', um 'to fall in love'.
Para falar desse 'cair' no enamoramento e desse 'deixar-se enamorar, a linguagem mais adequada é a simbólica.
Enamoramento
Se assemelha a uma centelha, um deslumbramento de todos os seres suscetíveis de serem amados, de todos os amáveis - apenas um dá o passo à frente e se põe diante de nós, esperando já nossos olhares.
Surge assim uma chamada de atenção, uma possibilidade, que poderá ou não se realizar, que poderá ou não fazer-nos cair a seus pés.
Esse instante de amor não é um sentimento: é apenas um IMPULSO e, nele, a vontade não toma parte, sobressaltada por algo alheio a ela: por esse raio caído diante de seus olhos. Quando desperta, é para se dar conta de que esse amor apenas chega para dizer que não pode permanecer. Se a vontade entra nesse jogo, aparece já um enamoramento.
O enamoramento retoma símbolos da ferida e da dor. É uma "paixão" que funciona assim: "ela te aliena, te deixa nervosíssima, te impede de te concentrar em teu trabalho, te transforma em um ser frágil e abobado, ao qual uma só palavra do amado pode te afundar nos infernos ou elevar à glória".
São elementos inerentes a esta situação: "a inquietação aguda, o desassossego, os momentos de êxtases entreverados com o mais absoluto desespero".
Quão enigmática é a natureza do amor: esse repetir e repetir da mesma emoção e os mesmos erros, sem jamais aprender da existência. Os amados mudam: o amor é sempre o mesmo.
Nós humanos, temos dentro de nós a necessidade da paixão como quem tem uma ferida.
De que outro modo se pode entender, ou não, que uma pessoa madura e sensata caia de cheio no desconsolo mais feroz pelo simples fato de intuir certa frieza no amado?
Não é esse concreto e insignificante desapego que nos afunda; é que se reabre em nós a ferida infinita, o vazio emocional inesgotável.
Aspecto do encontro
O encontro é catalogado entre as formas especiais de encontro com o "outro". E, sem dúvida, "nenhuma dessas é mais prestigiosa e intensa do que o encontro amoroso entre o homem e a mulher".
Os aspectos característicos que definem o encontro em sua singularidade específica são:
1- A Atenção. Ortega denominou como "psicologia do arrebatamento erótico", é a atenção o primeiro fator. A atenção se desloca de um objeto para outro, neles se detendo mais ou menos, conforme sua importância vital. Para o enamorado, a amada possui uma presença ubíqua e constante. O mundo inteiro se encontra nela embebido. A rigor, o que acontece é que o mundo não existe para o amante. A amada o desalojou e substituiu.
2- A Necessidade de Comunhão. Se a atenção gravita na direção do ser amado, é natural que a pessoa amante tenda com toda urgência a essa direção única. Esse valor "ponderativo" do amor foi visto e expresso também por Santo Agostinho e São João da Cruz.
3- A exaltação Vital. A vida do enamorado experimenta uma considerável exaltação vital. Guitton descreve essa qualidade do seguinte modo: "Percebemos no enamorado como que uma fosforescência nova no exercício de todo o seu corpo, de todo o seu pensamento. Cada um dos sentidos restantes, a visão, a audição, a percepção súbita das formas e dos volumes, tudo se encontra excitado. é uma espécie de magia natural.
4- A idealização da Pessoa. O enamorado retira da pessoa amada todos os defeitos e lhe atribui as mais egrégias qualidades. Esse mecanismo foi descrito por Stendhal como um processo de "cristalização". O amor tem algo de criação. "Amar uma coisa é estar empenhado em que ela exista... amar é vivificação perene, criação e conservação intencional do amado. É um ato centrífugo da alma, que vai até o objeto em um fluxo constante e o envolve em cálida corroboração, unindo-se a ele e afirmando executivamente seu ser".
Todavia, essa criatividade não é ilusionismo, mas descobrimento e potenciação de valores anteriormente ocultos e quase imperceptíveis.
O enamoramento origina nova sensibilidade, que descobre valores que passam despercebidos para a visão normal da vida quotidiana.
Os quatros aspectos indicados descrevem a peculiaridade do encontro entre enamorados. Encontro que constitui a trama inevitável do amor conjugal autêntico.
O amor do casal humano é o rescaldo, sempre vivo, do encontro enamorado.
Referências
GUITTON, L'amour humain. Paris , 1955, p 174
J. ORTEGA Y GASSET, l.c.,p 559;
GALA, Los amores. Jan 33 (1987), n. 786,80
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