segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O assassinato de Tony Bernardo, estudante da Guiné Bissau em convênio na UFMT


Que tragédia dolorida o assassinato de Tony Bernardo, estudante da Guiné Bissau em convênio na UFMT. Foi cruelmente morto no bar chamado "Rola Papo",  que  é uma espécie de restaurante/pizzaria.

Aos fatos: 

1-Ele estava dependente de drogas, coisa que somente do ano passado para cá, acompanhei o desespero de cinco mães e dois pais nessas condições, aliás, colegas da UFMT. Aqui, onde é um ponto de encontro dos cartéis desde a Colômbia, atravessando as fronteiras bolivianas e paraguaias, senão, diretamente desde a Colômbia. Os que financiam o tráfico moram aqui ( como no Rio, São Paulo, Recife, Salvador e alhures...) nas mansões e prédios de luxo, obviamente esta epidemia da dependência tem seus endereços remetidos para esta nova faceta do genocídio.  

Causa externa, assassinatos, maioria esmagadora é a população negra, como todos bem informados sabem. O assassinato ocorreu no início da madrugada de 22/09, quando Tony estava na porta do bar, pediu dinheiro (todos que o conheceram e os depoimentos dos seus amigos apontam uma pessoa generosa, solidária e honesta). 


1.1-A imprensa divulgou que ele pediu dinheiro para uma moça e na negação ele teria puxado seu braço insistindo. O namorado da moça atacou-o imediatamente, vindo junto com ele duas pessoas (do seu relacionamento?)  que estavam no bar, passando a bater  impiedosamente com chutes e murros no Tony, que perplexo, em nenhum momento ofereceu  resistência. Caído ao chão continuaram a selvageria com chutes na cabeça, órgãos genitais e coluna. Isto durou em torno de 15 minutos, e enquanto podia, Tony pedia para que parassem. Em vão. Todos que estavam no bar apenas observaram o cenário de matança sem intervir em nenhum momento, especialmente os donos e atendentes do bar. Sabiam tratar-se de "um filho de delegado" esse tal empresário, e dois policiais, dois soldados, um que entrou recentemente na Escola de Oficiais da Academia de Polícia de MT. 

Depois dessa sessão de tortura, Tony não tinha mais nenhuma reação corporal, foi então que uma vizinha correu para ver o que estava acontecendo. Apavorada com o que viu, voltou em casa e chamou a polícia, que prendeu os dois policiais assassinos, pois o terceiro, (que depois soube ser um operador de sistemas de telefonia) havia se evadido do local. Ele só foi preso distante dali, tentando fugir. Os dois policiais que estavam de plantão na área, encontraram os dois colegas assassinos  debruçados tentando reanimar Tony, que já estava sem vida. 

O massacre covarde dos três ocorreu dentro das dependências do bar, com muitos frequentadores inclusive crianças. Em seguida arrastaram seu corpo por entre as mesas para o final da varanda do bar, em um rastro de sangue. Dimas e Edna, proprietários   do bar, estavam lá, (conheciam muito bem os africanos e o próprio Tony Bernardo)  resolveram fecha-lo e pedir para os clientes que ainda restavam irem embora. 

2- Os jornais disseram as versões imediatas e inconseqüentes plantadas para descaracterizar o crime, tais como; "O estudante Tony era viciado em droga; O estudante Tony Bernardo já tinha sido desligado da UFMT; O estudante Tony já havia feito um furto (para comprar droga); O estudante Tony já deveria ter se formado, pois entrou na Faculdade de Economia da UFMT em 2006"; e outras possibilidades de antecipar uma justificativa para este crime hediondo de racismo. 

A UFMT imediatamente através de um Pró-Reitor lavou as mãos, dizendo que ele não era mais estudante da UFMT desde Fevereiro. Posteriormente, a Reitora tendo retornado, reagiu na defensiva com os estudantes e representantes na apresentação e cobrança de providencias. Reafirmando não ter responsabilidades sobre isto, e acuada pelos estudantes-convenio, reagiu dizendo que inclusive vai acabar com o programa de intercambio, o que negou depois na audiência que tivemos  em uma plenária em 26/09 com representante do Ministério das Relações Exteriores, oficialmente representando o governo. 

3-Um relato da Polícia Civil que sumiu, apontava que o estudante escorregou e caiu, segurando-se na referida moça, o pivô da violência. Outra versão é que Tony apenas insistia para que desse o dinheiro, 10 reais. Com a greve na UFMT, os estudantes-convenio ficaram sem alimentação, e obviamente ele ainda se beneficiava indiretamente deste direito. Os estudantes-convenio apresentaram um documento na audiência de  26/09 entregue a Reitora apontando problemas como: desde o início da chegada a MT, pediram audiência, mas só estavam encontrando a Reitora ali naquele momento da discussão da morte de um deles; que não havia orientação e acompanhamento compatível para os estudantes; que não houve em nenhum momento apoio para as questões de saúde dos estudantes, citando como emblemático o caso de Tony Bernardo, quando todos estavam procurando caminhos para seu tratamento de dependência, afirmando que o problema do estudante foi caracteristicamente de saúde.

3.1-Não seria verdadeira a informação oficial de que puseram psicólogos ou psiquiatra para acompanhamento. Ocorreram duas intervenções de apoio, absolutamente pessoais por parte de dois professores. Um que os levou ao Hospital Universitário, tendo obtido consulta apenas uma vez por semana com um profissional de Psicologia! O outro, conduziu-o à sua chácara para ficar isolado por pelo menos uma semana! Ações individuais, não institucional. 

3.2 - Assim, a causa do desligamento seria centralmente de saúde no caso, e não como a UFMT e a imprensa relataram, que seria por mau desempenho. Sobre isto o aluno encaminhou um processo questionando o desligamento, que se encontra em algum órgão da UFMT. 

3.3-A  UFMT não teria comunicado oficialmente o desligamento do estudante,  não tendo dado o apoio logístico necessário, sem comunicar ao Ministério das Relações Exteriores, nem ao MEC, nem à Embaixada da Guiné Bissau, nem à Policia Federal, o que informam ser de ofício. A Embaixada teria se contraposto ao desligamento do aluno nestas condições e praticamente no ultimo ano do curso, quando após muita demora na avaliação do seu processo, pediu ajuda à Embaixada. 

3.4- No documento entregue para a Reitora, aponta ser necessário rever rigorosamente os mecanismos de apoio aos estudantes, desde a própria ajuda insuficiente de um salário mínimo ( é de alçada ministerial) até a equidade no trato acadêmico com orientação e acompanhamento permanente  de qualidade. 

4-Na audiência de 26/09 alguns representantes dos estudantes, do Movimento Negro e outras representações, falaram centrados na questão do racismo, dos direitos humanos, das relações internacionais, das relações com África, da violência policial, da omissão da UFMT: da necessidade de assegurar  a não impunidade e outros tantos. 

5-Nesta audiência, uma estudante africana, na primeira fileira do auditório do Centro Cultural, caiu ao chão em gritos lancinantes de dor, desespero, indignação e ódio desta brutalidade. Não preservaram sua intimidade. Pediram ambulância e médicos. Mal sabiam que ali estava um verdadeiro ritual da consciência e cultura africana refletida em uma das 37 etnias existentes na Guiné Bissau. 

5.1-O Instituto Médico Legal cometeu racismo pela segunda vez no trato dos encaminhamentos de Tony Bernardo pelos seus colegas/irmãos, mostrando inclusive imediatamente a face da mistura público/privado, exigindo imediatamente 30 mil reais para todos os preparos de translado do corpo. Os estudantes exigiram na carta a Reitora que a UFMT ou outra instância do governo assuma isto. 

6-É horrível a imagem de Tony Bernardo morto, com os olhos esbugalhados a saltarem, com a língua para fora, com marcas de pés no pescoço e a traquéia quebrada, mostrando que o golpe final para acabar com sua vida foi cortando o ar que respirou e trouxe do seu território natal para o nosso país, composto marcadamente pela origem africana. É uma vergonha esta brutalidade. Pedimos perdão a ele, aos seus colegas africanos, a Guiné Bissau e toda mãe África. No dia 29/9 foi realizado um ato ecumênico preparada pelos estudantes africanos e todos  apoiadores que cobram justiça e punição para os criminosos, bem como a responsabilização adequada das instancias governamentais responsáveis pelo convenio. Trata-se de um crime de racismo. 

Waldir Bertúlio – Prof. Aposentado da UFMT.

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