quarta-feira, 15 de julho de 2009
O Pai Perdoa
* Lanerd
“Escute filho: enquanto falo isso, você está deitado, dormindo, uma mãozinha enfiada debaixo de seu rosto, os cachinhos louros molhados de suor grudados na fronte”. Entrei sozinho e sorrateiramente em seu quarto. Há poucos minutos atrás, enquanto eu estava lendo meu jornal na biblioteca, fui assaltado por uma onda sufocante de remorso. E, sentindo-me culpado, vim para ficar ao lado de sua cama.
Andei pensando em algumas coisas, filho: tenho sido intransigente com você.
Na hora em que se trocava para ir à escola, ralhei com você por não enxugar direito o rosto com a toalha. Chamei-lhe a atenção por não ter limpado os sapatos. Gritei furioso com você por ter atirado alguns pertences no chão. Durante o café da manhã, também impliquei com algumas coisas. Você derramou café fora da xícara. Não mastigou a comida. Pôs o cotovelo sobre a mesa. Passou manteiga demais no pão. E quando começou a brincar e eu estava saindo para pegar o trem, você se virou, abanou as mãos e disse: “Tchau, papai!”; e, franzindo o cenho, em resposta lhe disse: “ENDIREITE ESSES OMBROS!”.
De tardinha tudo recomeçou. Voltei e quando cheguei perto de casa, vi-o ajoelhado, jogando bolinha de gude, suas meias estavam rasgadas e humilhei-o diante de seus amiguinhos fazendo-o entrar na minha frente. “AS MEIAS SÃO CARAS – SE VOCÊ AS COMPRASSE TOMARIA MAIS CUIDADO COM ELAS!”. Imagine isso dito por um pai! Mais tarde, quando eu lia na biblioteca, lembra-se de como me procurou, timidamente, uma espécie de mágoa impressa nos seus olhos? E quando afastei meu olhar do jornal, irritado com a interrupção, você parou à porta: “O QUE É QUE VOCÊ QUER?”, perguntei implacável, você não disse nada, mas saiu correndo num ímpeto na minha direção, passou seus braços em torno do meu pescoço e me beijou; seus braços foram se apertando com uma atenção pura que Deus fazia crescer em seu coração e que nenhuma indiferença conseguiria extirpar. A seguir retirou-se, subindo correndo os degraus da escada.
Bom, meu filho, não passou muito tempo e meus dedos se afrouxaram e o jornal escorregou por entre eles. E um medo terrível e nauseante tomou conta de mim. “Que estava o hábito fazendo de mim?”. O hábito de ficar achando erros, de fazer reprimendas – era dessa maneira que eu vinha recompensando-o por ser uma criança. Não que não o amasse; o fato é que eu esperava demais da juventude. Eu o avaliava pelos padrões da minha própria vida. E havia tanto de bom, de belo e de verdadeiro no seu caráter. Seu coraçãozinho era tão grande quanto o sol que subia por detrás das colinas. E isto eu percebi pelo seu gesto espontâneo de correr e de dar-me um beijo de boa noite. Nada mais me importa nesta noite filho.
Entrei na penumbra do seu quarto e ajoelhei-me ao lado de sua cama envergonhado: é uma expiação inútil; sei que, se você estivesse acordado, não compreenderia essas coisas. Mas amanhã eu serei um pai de verdade! Serei um amigo, sofrerei quando você sofrer, rirei quando você rir! Morderei a língua quando palavras impacientes quiserem sair de minha boca. Eu irei dizer e repetir, como se fosse um ritual: “Ele é apenas um menino – um menininho!”.
Receio que o tenha visto até aqui como um homem feito. Mas, olhando-o agora, filho, encolhido e amedrontado no seu ninho, certifico-me, de que é um bebê. Ainda ontem esteve nos braços de sua mãe, a cabeça deitada no ombro dela. Exigi muito de você, exigi muito.”
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