Quando se fala dos grandes nomes da psicanálise, muitas vezes se esquece de Alfred Adler, um dos maiores expoentes da psicologia do serviço e da solidariedade. O que estou para escrever se baseia no seu pensamento e na escola de psicologia criada por ele, mais conhecida como Psicologia do Indivíduo.
Segundo Adler, a saúde mental depende de como a pessoa se harmoniza com três grandes problemas da vida: o trabalho, o amor e a inserção social. É na maneira como o ser humano encara esses problemas que se revela qual o sentido profundo que a vida tem para ele.
Consideremos, por exemplo, um homem cuja vida afetiva não é completa; alguém que não se aplica na vida profissional e tem muitas dificuldades para se relacionar com seus semelhantes. Para ele, a vida oferece poucas vitórias e muitas derrotas. Seu limitado campo de ação pode ser interpretado com o seguinte raciocínio: “Viver significa defender-me de todo e qualquer perigo, fechar-me no meu mundo, permanecer incólume”.
Consideremos também, por outro lado, um homem que encara a sua vida afetiva como uma cooperação profunda e multiforme, da qual derivam resultados positivos; alguém que tem muitos amigos, além de contatos abertos com os seus semelhantes. Podemos dizer que uma pessoa desse tipo vê a vida como uma missão criativa, que lhe oferece inúmeras oportunidades. Para ele, nenhuma derrota é irremediável. A sua coragem para enfrentar os problemas da existência pode ser traduzida do seguinte modo: “Viver significa empenhar-se pelos outros, ser uma parte do todo, dar a própria contribuição para o bem-estar dos seres humanos”.
É nesse ponto – afirma Adler – que encontramos o parâmetro comum para os “sentidos da vida” equivocados, mas também para os verdadeiros. Todas as pessoas fracassadas encontram-se em tal situação porque são desprovidas de sentimentos em relação aos seus semelhantes e de interesse social. Elas enfrentam os problemas do trabalho, da amizade e do amor sem acreditar que estes podem ser resolvidos com a cooperação. Dão à vida um sentido estritamente pessoal e os seus interesses limitam-se a elas mesmas. O seu ideal de sucesso é uma meta de superioridade pessoal, completamente ilusória.
Um sentido estritamente pessoal para a vida não é válido. Para tornar-se válido, ele precisa ser compartilhado. O mesmo pode-se verificar em relação aos nossos objetivos e às nossas ações: o seu único significado é o sentido que eles têm para os outros.
Todo ser humano luta para se tornar importante, mas engana-se quem não compreende que a sua importância deve consistir na contribuição que dá à vida dos outros.
A propósito, Adler conta uma pequena história. Certo dia, uma mulher, dirigente de uma pequena seita religiosa, reuniu seus seguidores e comunicou-lhes que o fim do mundo seria na quarta-feira seguinte. Eles ficaram muito impressionados. Venderam suas propriedades, renunciaram a todos os interesses deste mundo e esperaram com grande ansiedade a catástrofe anunciada. Mas a quarta-feira chegou e não aconteceu nada de especial. Na quinta-feira eles se reuniram para pedir uma explicação à líder. “Veja só as dificuldades em que nos encontramos – disseram-lhe. Renunciamos a tudo o que possuíamos. Anunciamos a todos que o mundo acabaria na quarta-feira, e não nos intimidados quando riram de nós. Mas quarta-feira passou e o mundo ainda está no mesmo lugar”.
“A minha quarta-feira – respondeu a profetisa –, não é a quarta-feira de vocês”. Desse modo, atribuindo um significado pessoal à situação, ela colocou-se a salvo de qualquer tipo de desmentido. Afinal, um sentido pessoal nunca pode ser efetivamente posto à prova, verificado.
Os sinais que distinguem todos os “sentidos da vida” verdadeiros são seus significados universais, que os outros podem partilhar e considerar válidos. Quando alguém encontra uma boa solução para os três problemas da vida, pode abrir caminho também para os outros, porque – precisa Adler – enfrentará com sucesso muitos problemas que são comuns a todos.
Quem enfrenta com êxito os problemas da existência age como quem reconhece, plena e espontaneamente, que o sentido da vida está na cooperação e no empenho em favor dos outros. Quando se encontra em dificuldades, procura superá-las através de meios que favoreçam o bem-estar de todos.
Para muita gente, este ponde de vista poderia ser estranho e suspeito. Podemos até imaginar as objeções: “E o indivíduo, como fica? Se ele estiver sempre pensando nos outros, dedicando-se completamente aos interesses alheios, sua individualidade não ficará prejudicada? Não é necessário, pelo menos para alguns, que pensem mais em si mesmos?”.
A todas essas perguntas Adler responde com a afirmação de que este ponto de vista manifesta um erro grave e que, portanto, o questionamento levantado é falso. Se uma pessoa quer encontrar um sentido para a vida, deve contribuir para o bem-estar da humanidade; e se todos os seus sentimentos forem direcionados para esse fim, ele será naturalmente levado a comportar-se de acordo. Só assim começará a preparar-se para resolver os três problemas da vida e a desenvolver suas próprias capacidades.
Tomemos o exemplo da amizade e do empenho social. Se nos esforçarmos em favor dos nossos amigos e de todas as pessoas com as quais entramos em contato, trabalhando para facilitar e enriquecer suas vidas, naturalmente daremos o melhor de nós mesmos. Mas se quisermos desenvolver forçosamente uma personalidade finalizada a si mesma, sem o objetivo de colaborar com os outros, então nos tornaremos insociáveis, desagradáveis e antipáticos.
Mas existe uma outra indicação – acrescenta Adler – pela qual podemos deduzir que a colaboração é o verdadeiro sentido da vida. Se olharmos para a herança recebida dos nossos antepassados, o que constataremos? Tudo o que sobrevive deles são as contribuições que deram à humanidade. O que aconteceu com os que não cooperaram? Ou com os que deram um sentido diferente à própria vida? Não deixaram nenhum rastro atrás de si.
Os três problemas da vida estão interligados e pedem soluções que exigem um elevado nível do sentimento social. Pode-se dizer, sem dúvidas, que existe no homem a predisposição para atingir esse nível, mas também que a humanidade não avançou suficientemente para transmitir o sentimento social aos seres humanos a ponto de torná-lo natural, como acontece com a respiração ou a postura ereta.
Sempre existiram pessoas cientes de que o sentido da vida encontra-se no interesse por toda a humanidade, e que procuraram desenvolver o empenho social e o amor entre todos. Podemos encontrar essa solicitude em todas as religiões. Os grandes movimentos mundiais lutaram para aumentar o empenho social. Adler escreve: “O conceito de virtude deve estar ligado à colaboração, enquanto o conceito de vício implica a rejeição da colaboração... O sentimento social tende a formas de coletividade que devem ser entendidas como eternas, e até podemos imaginá-las como o cume do objetivo de perfeição da humanidade”.
Extraído da revista Cidade Nova, nov/96.
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