* Jorge Adelar Finatto
Existe um ser cada vez mais raro na face do universo.
Astrônomos passam as noites em claro, mirando os telescópios para o desconhecido, na incansável busca.
No momento em que traço essas linhas, inúmeras expedições científicas partem pelo cosmo à procura do ser que está em vias de extinção.
É quase tão belo quanto a estrela da manhã. É mais luminoso que a aurora boreal. É mais precioso que o mais raro diamante.
Por causa dele, blogueiros do mundo inteiro invadem as noites oferecendo seus serviços. Impressionantes editores perdem o sono à sua menor lembrança.
O ser em questão - esse misterioso - é o senhor da lista dos mais vendidos, é o sonho dos famélicos, o consolo dos maltrapilhos fazedores de livros.
Por ele, Cervantes e Thomas Mann foram às vias de fato, Dom Quixote e Hans Castorp romperam relações.
Macunaíma, Anjo Malaquias e Urutu Branco não trocam mais emails. É o início do fim dos tempos, ou quase isso.
Os cafés literários perderam o sentido sem a poderosa presença do em vias de.
As livrarias estão repletas de musas e personagens desempregados. Seria cômico, não fosse trágico.
Onde andará aquele que é a razão do meu trabalho?, perguntam-se miríades de escritores na fria solidão dos sem-leitor.
A Academia Sueca devia criar o Prêmio Nobel do Leitor, em homenagem a ele, o inefável.
As noites de autógrafos só são bem-sucedidas quando é ele quem assina os livros, enquanto os autores esperam a vez na fila infinita.
Não vereis dele mais que o vulto fugidio esgueirando-se no labirinto dos blogs e bibliotecas.
No entardecer de ontem, cerca de 150 poetas - entre maus, razoáveis e bons - cometeram suicídio no cais de Porto Alegre. Sob o olhar aterrorizado das mães e gritos desesperados das namoradas, os suicidas foram ao fundo do rio com grossos volumes amarrados ao pescoço.
Mais de mil caravelas estão partindo nessa hora de Lisboa em busca de um rastro do inefável em alto mar.
O impensável está acontecendo.
Escritores enlouquecidos batem-se em sangrentos duelos nas praças e ruas da cidade.
As últimas notícias dão conta de que lírios famintos estão atacando e devorando escritores. Invadem seus locais de trabalho às escondidas e cometem o bárbaro crime. Aproveitam-se da solidão literária das vítimas, que começa no ato de criar e se estende até o texto publicado e sem leitor, e as destroçam.
Só restam folhas brancas, embebidas em sangue, espalhadas no chão.
Fonte: Judiciário e Sociedade
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