Não era uma vez...
Era uma vez mais.
Mamãe-Olhos ia à frente do Orelhinha escolhendo todos os caminhos. Só caminhos coloridos, é claro. Afinal ela era olhos e o filho, simples orelhinha.
Mamães-Olhos não se descuidava, pois havia caminhos de pedras, caminhos de espinhos e pedras no caminho. Havia mais...
Havia o Pai-Braço. E o Pai-Braço, sempre sério, não era de brincadeira...Mamãe-Olhos que cuidasse muito bem do Orelhinha, senão...
Orelhinha sabia muito bem como era o Pai-Braço:
Sempre quieto...
Nenhuma palavra...
Músculos em silencio pesado.
E quando falava
Era só pra dizer:
- É por aqui!
Ai de quem fosse por ali...
Por isso, Mamãe-Olhos ia à frente puxando o Orelhinha no caminho da escola.
Era um caminho de flores cinzentas que não alegravam o Orelhinha. Também não animavam Mamãe-Olhos que apenas caminhava, chorosa e sem brilho.
Na fila, Dª Língua, professora antiga e a mais respeitada da escola, metralhava palavras.
A fila tremia diante daquele mundo de palavras, que emendadas eram apenas um barulho ameaçador.
Ninguém se mexia.
A fila era um cordão de medo. Dª Língua desvirguladamente derrubava castigos com todos os pontos de exclamação. Orelhinha não entendia toda aquela lingoboquidente incendiodiando ameaças.
Quando Dª Lindua, cansada, parava de falar, a fila subia em silencio. A aula ia começar...
Orelhinha não gostava do silencio, muito redondo, da sala de aula. Uma sala comprida, de janelas quadradas e de grossas cortinas. Não gostava também quando Dª Língua tirava o “inha” do seu nome e lhe dava um sonoro “udo”...
No canto da sala, em pe, diante de todos os coleguinhas, já não era o Orelhinha. Era só um orelhudo.
Enquanto isso, Cerebrino, o melhor e mais bem penteado aluno da classe, foi logo convidado para a lição do dia.
Dª Língua, com solenidade, perguntou:
- Cerebrino, qual foi à mensagem do texto-tarefa?
Cerebrino disparou:
- O texto-tarefa nos ensina que a escola é um tesouro que ninguém consegue destruir.
- Muito bem, Cerebrino! E que mais?
Novo disparo:
- Ensina, ainda, que todos aqueles que estudam arranjam emprego com facilidade.
Orelhinha cabeça baixa, ia agüentando, com alguma dor e vergonha, a resposta recitativa do exemplar Cerebrino.
No caminho de casa, Mamãe-Olhos, puxando o Orelhinha de volta, parou numa banca de revistas. Orelhinha, sem interesse, espiava as manchetes do dia.
Orelhinha, um pouco confuso, sem saber por que lembrou-se dos cabelos alinhados do Cerebrino...
Depois de um dia, outro sempre vem.
E com ele Mamãe-Olhos, o caminho da escola, a fila-silêncio, Dª Língua e o mundo de ameaças emendadas...
Na classe, Orelhinha não parava no seu lugar. Andava e corria pra-cá-pra-lá-pra-cá...
Não parava e por isso foi acabar parando na ....
DIRETORIA
Dr. Boca, o diretor da escola, mordia com raiva estranhas palavras. Orelhinha assustado se encolhia todo diante da voz grossa –quase tempestade – que cuspia fogo e trovões.
Em casa o tempo fechou:
O Pai-Braço enfureceu-se com a suspensão: 3 dias de castigo, fora das aulas!
RESULTADO
O Braço desceu,
O orelhinha inchado...
Mamãe-Olhos também inchada de tanto chorar.
Que escândalo!
Que vergonha!
Mamãe-Olhos não sabia onde pôr a cara, quero dizer os olhos. E acabou colocando-os atrás de uns óculos de sol.
Orelhinha foi trancado no seu quarto: 03 dias sem ver a cara da rua!
No quarto, Orelhinha ainda ouvia as palavras-trovões. Elas sacudiam e desciam pelas paredes desenhando castigos.
Um fone de ouvido troxe música e o tempo começou a se abrir...
Três dias ouvindo música sem parar. Três dias...
Foi o bastante para que o Orelhinha não parasse mais de dançar. Não comia, dançava; Não bebia, dançava; não dormia, só dançava... A música foi tanta que ele ficou com “dancite”, a doença da dança. Dançava, dançava e dançava. Dançava até o sono chegar. Orelhinha estava pálido, muito fraco.
Mamãe-Olhos por sua vez, ficou durante esses três dias escondida atrás dos óculos escuros.
Coitada da Mamãe-Olhos!
Ao tirar os óculos, não suportava mais a luz-do-sol.
O QUE FAZER?
O médico da cidade foi chamado para resolver os dois casos.
Era o doutor Coração.
Um velho gordo de bondade que amava os doentes e a medicina. P doutor Coração era também amado por muitos, outros não conseguiam entende-lo.
Pudera, receitava até não-remédios.
Veja a receita:
“RECEITA DO DR. CORAÇÃO”
PARA: Mamãe-Olhos e Orelhinha
Água, água e muita água... água de hora em hora;
Uma lavagem cuidadosa dos olhos da mamãe e das orelhas do Orelhinha.
Data: sempre
Assinado: Dr. Coração.
Santo remédio! Os olhos lavados começavam a brilhar!
O Orelhinha, também limpo, começou a entender... Era verdade sim, os olhos também falavam. E falavam mansamente, sem emendar palavras, sem derrubar trovões.
Orelhinha encantou-se diante das palavras claras, diante das palavras-águas. Estas sim ele conseguia entender.
O Pai-Braço vendo aquele brilho até então desconhecido, abriu as mãos soltando uma ternura antiga e amassada.
Espantado com a cor amarelada da sua mão – que vivia sempre fechada – o Pai-Braço não perdeu tempo: lavou aquela mão com muita água.
E assim tudo mudou...
O Pai, agora, era muito mais um mão aberta...
A mãe era, agora, olhos suaves que falavam ternamente.
E o Orelhinha?
Sozinho, tinha os seus próprios caminhos.
Era quinta-feira. Naquele dia, a fila estava bastante irrequieta. Dª Língua, armada até os dentes, começa o chá-de-lingua costumeiro:
Porqueufaçoporqueudesfaço
Porqueuqueroporqueunãoquero
Porqueueueueueueueueueueueu...
O barulho foi tanto que o Dr. Boca ali chegou e botou a boca no trombone:
Porqueufaçoporqueudesfaço
Porqueuqueroporqueunãoquero
Porqueueueueueueueueueueueu...
Orelhinha ficou indignado.
Porque Dª Língua e o Dr. Boca não conseguiam sair de si mesmos?
Porque eram partes tão fechadas?
Afinal, a escola era ou não era um todo?
Água, muita água...Isso mesmo. Dª Língua e o Dr. Boca deviam consultar-se com o doutor Coração...
Na classe, dª Língua continuava a lição:
- Vocês devem aprender tudo isso, porque amanha vocês serão adultos...
- Amanhã vocês precisarão desses conhecimentos...
- Amanhã isso tudo será muito útil...
- Amanhã vocês serão...
- Orelhinha, sem perceber, soltou a sua voz, interrompendo todo aquele discurso.
- E hoje? Não somos nada?
A classe riu, preenchendo um espaço que era de espanto. Era também espaço de interrogação.
Dª Língua explicou-não-explicou, disse-não-disse. Desconversou.
A interrogação ficou.
Na escola, o Orelhinha era outro. Começou a desemendar palavras e elas já não eram mais o que ameaçavam ser. Descobriu mais: podia até quebrar e montar novas palavras...
Um exemplo:
A palavra DIRETORIA (uma só e inimiga) agora eram duas (e amigas): DIREITO E AR
Que descoberta!
Respirou aliviado...
Foi bom saber que as palavras que vinham e ameaçavam eram as mesmas com que, agora, ele se defendia.
Tudo era uma questão de quebrar palavras...
Ficou também a coragem de perguntar. Orelhinha, surpreso consigo mesmo, se soltava cada vez mais:
Perguntava,
Concordava
E discordava.
Dª Língua, agora, sabia disso.
Aprovado!
Orelhinha conseguiu escapar da “bomba” que lhe ameaçava estourar os tímpanos.
Alegria total!
Mamãe-Olhos, Pai-Braço e o Orelhinha transbordavam de felicidade.
O presente não podia ser melhor – ele e toda a sua família saem de férias, foram viajar.
Novo ano escolar,
Nova professora: Dona Consciel.
Alegra e amiga, mais ouvia do que falava.
Na classe de Dª Consciel, todo dia era hoje e cada criança era ela mesma.
Não havia história fechada. Todo aluno podia entrar e sair do texto, ser leitor e também personagem!
E por isso Orelhinha e seus coleguinhas sentiam-se animados a falar, a contar, a sorrir...
Incrível!
Dª Consciel deixava caber tudo nas lições de classe:
O cãozinho de um,
O gato de outro,
A casa da vovó,
O circo da cidade!
Que bom!
Agora o mundo do orelhinha
Entrava com ele escola adentro!
Nada de portas,
Nada de janelas,
Nem cortinas...
Autor: Roberto Magalhães
oi olha eu amo este livro é da minha época e eu amava lê-lo, tenho saudade daquele tempo que pena q nao volta mais.... ira fica na minha lembrança pra sempre e vou passar para as minhas filhas este livro pois mudou muito a minha infancia .... parabens por este livro ... lidiane
ResponderExcluirGratíssima Lidiane pelo seu comentário.
ExcluirObrigada pelo seu comentário. Que bom que você tem boas lembranças. Bjos.
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